Elevador movido a água


O elevador do Bom Jesus de Braga é uma jóia da engenharia ecológica e foi,
em 23 de Maio de 2013, considerado Monumento de Interesse Público.

Em Braga, mais precisamente no Santuário do Bom Jesus do Monte, existe um elevador cuja locomoção é feita com água. Esse facto projeta este equipamento muito para além da sua finalidade de transportar pessoas pela encosta de um monte. A sua engenharia ecológica casa-se perfeitamente com o ambiente do local e por isso o elevador é alvo da curiosidade e simpatia de todas as pessoas que visitam o santuário, entre peregrinos, devotos e, principalmente, turistas. São sobretudo estrangeiros no inverno, mas também muitos portugueses no verão. Durante um ano são vendidos mais de doze mil bilhetes mensais, registando-se em alguns domingos cerca de dois mil passageiros.
Atualmente, este é o ascensor mais antigo do mundo em funcionamento a utilizar um sistema de contrapeso de água.

O equipamento é constituído por dois veículos, que se movem sobre carris, ligados por um cabo servindo de contrapeso um ao outro. A força motriz é a água que abastece a estância.

É, com efeito, o peso da água colocada na carruagem descendente que permite a deslocação dos veículos. Embora, à partida, sejam aí depositados 500 litros, a capacidade pode ascender aos 3.500 litros. A quantidade de água necessária varia, dependendo do número de passageiros que ocupem a carruagem ascendente, sendo colocados mais 500 litros por cada grupo de cinco pessoas. O número de passageiros ascendentes é transmitido ao extremo oposto através de toques de campainha, trabalho que anteriormente era feito através de um sino. Esse antigo sistema, embora o sino atual date já de 1985, permanece, no entanto, como alternativa a uma possível falha eléctrica. É que a água, essa nunca falta, e o elevador nunca pára!

O equipamento funciona num sistema de cremalheira, assente em vias paralelas. Trata-se de um sistema económico, não poluente e cuja água ao ser despejada no fundo da ladeira, ainda poderá beneficiar os campos de regadio.

Este modo de transporte vence uma diferença de nível de 116 metros, em 267 metros de plano inclinado. É bastante seguro, dada a forma como ele é tracionado, tendo vários sistemas de travão, um dos quais é a cremalheira que não deixa que os carros adquiram velocidade excessiva.

O elevador veio substituir a linha dos americanos de Braga (veículos sobre carris puxados por cavalos), que originalmente se estendia até ao santuário e que tinha de ter a sua tração complementada por bois na íngreme subida, em dias de maior afluência.


O elevador situa-se à direita da imagem, num local de grande beleza.
Entrada para o ascensor no sopé do monte. (Foto Wikipédia)


Um pouco da história do ascensor

Foi com estas palavras que o correspondente em Braga de “O Comércio do Porto” noticiou a inauguração do ascensor do Bom Jesus, ocorrida em 25 de Março de 1882:

No meio de uma alegria indizível acaba de realizar-se na presença de milhares de espectadores a inauguração do plano funicular Gomes.

Eram onze horas e meia da manhã de ontem quando o digno deão da Sé procedeu à benção dos dois veículos – ascendente e descendente –. Três bandas de música, tocando todas ao mesmo tempo, repiques de sinos e repetidas girândolas de foguetes anunciaram com os seus variados sons a ascensão do veículo que ora se efectuava em dois minutos, ora em menos tempo ainda.

Ao longo de toda a linha, de um e outro lado, viam-se flutuar inúmeras bandeiras, o que era de um efeito surpreendente. Reunidos depois os diferentes convidados em frente do santuário foi ali abraçado entusiasticamente o empreendedor de tão importante melhoramento, o senhor Manuel Joaquim Gomes, seguindo dali todos para o templo onde se cantou um solene Te-Deum em acção de graça.

Fazia a guarda de honra à porta da igreja uma força de Infantaria 8 em grande uniforme e respectiva banda.

Para que tudo corresse o melhor possível até o dia estava esplêndido, notando-se que apesar da concorrência do povo ser enorme, quer a pé quer em carruagens ou nos carros americanos, não se deu o menor desastre nem a mais leve desordem.

Parabéns pois ao senhor Manuel Joaquim Gomes e parabéns ao país, porque o plano funicular que acaba de ser inaugurado se muito aproveita os habitantes de Braga, porque dele se podem utilizar todos os dias em que resolvam subir ao Bom Jesus do Monte, oferece também a melhor das comodidades aos que de longe vierem visitar o referido santuário.

Este acontecimento teve um impacto que ultrapassou em muito a esfera regional. Este mesmo jornal, Comércio do Porto, noticiava ainda nesse dia que: em consequência da inauguração do elevador do Bom Jesus do Monte que hoje se realiza em Braga, a Direcção dos Caminhos de Ferro do Minho e Douro resolveu estabelecer para ali comboios extraordinários com bilhetes de ida e volta a preços reduzidos.

O caso não era para menos. A expectativa que rodeara a construção do elevador alimentara a curiosidade nacional durante os meses anteriores, dela fazendo repetidamente eco, a imprensa. Isto porque, se por um lado se tratava de um melhoramento dos mais notáveis que se têm realizado neste país (O Comércio do Porto”, 3 Março 1882, p.1), por outro lado do estrangeiro vinham chegando notícias de desastres ocorridos com máquinas deste tipo, a que se associava a grande inclinação que este elevador se propunha vencer: um desnível de 116 metros num plano inclinado de apenas 267. Apreensão tanto maior, quanto foi este o primeiro dos ascensores funiculares deste tipo que se construiu na Península Ibérica.

A questão da segurança levou, de resto, o Ministro das Obras Públicas a nomear uma comissão que há-de examinar o caminho de ferro automotor do Bom Jesus do Monte afim de reconhecer se está em circunstância de ser aberto à circulação pública (Comércio do Porto”, 18 Março 1882, p.1). E, não obstante ter comprovado a segurança e qualidade de todo o sistema, a verdade é que esta comissão, composta por alguns dos mais destacados engenheiros responsáveis pela construção do caminho de ferro em Portugal, entre os quais Henrique Tomás Branco, Augusto César Teixeira e Luciano Simões de Carvalho, exigiu uma última e cabal prova: que o cabo que puxava o elevador fosse cortado em pleno andamento, de forma a testar o travão automático. Convicto da eficácia do sistema, foi mesmo um dos engenheiros responsáveis pelo assentamento da linha – Raul Mesnier – que se ofereceu como voluntário para a experiência. O relatório da Comissão é concludente: De um só golpe foi cortada a corda do guincho e o carro entregue à acção da gravidade. Imediatamente desceu o travão automático e o carro, a menos de um metro de distância, parou de repente.

Se a experiência tivesse corrido mal é muito provável que hoje não existissem os elevadores de Santa Justa, Glória, Bica e Chiado, em Lisboa, ou o elevador da Nazaré, já que os seus projectos se devem ao referido engenheiro portuense Raul Mesnier que construía aqui, em colaboração com o engenheiro António Kopcke de Carvalho, o primeiro dos seus elevadores.

Mas o ascensor do Bom Jesus do Monte está associado a outros dois nomes fundamentais: o de Manuel Joaquim Gomes, um benemérito e enriquecido bracarense que não só foi o responsável pela ideia mas também o seu financiador, e o do engenheiro suíço Riggenbach, construtor dos veículos que, ainda hoje, possuem uma discreta tabuleta indicando o “system Riggenbach” e que a produção se ficou a dever, em 1881, à “Schwizerische Centralbahn” (Comboios Nacionais da Suiça).

Fonte:
Transcrito parcialmente de: Joel CLETO e Suzana FARO - Elevador do Bom Jesus, Braga. À força d’água! O Comércio do Porto. Revista Domingo, Porto, 30 de Abril 2000, p.21-22. (transcrição autorizada com menção da fonte).


O elevador em funcionamento.