DE VOLTA À QUINTA DAS TORRES


Traseiras do Grupo 1
Portão das traseiras da Unidade militar, junto ao apeadeiro da Quinta das Torres.
Já escrevi vários artigos sobre o Grupo nº 1 de Escolas da Armada, uma Unidade da Marinha que se encontra desativada há quase quatro anos, precisamente desde 31 de Agosto de 2009. Num desses artigos “Recordar o passado em Vila Franca deXira”, em que fazia o relato de uma visita de nostalgia que fiz ao local, dizia que “esperava lá voltar um outro dia, antes que aqueles edifícios fossem todos demolidos, porque, infelizmente, parecia ser esse o seu destino mais provável.

Voltei lá passados quatro anos e, descontando as ervas daninhas que infestam o exterior dos edifícios e também as alterações feitas no portão principal, de que já falei num outro artigo, tudo parece estar na mesma, apesar de existirem ou terem existido projetos para aproveitamento daquele espaço.

A propósito do encerramento desta Unidade Militar o semanário regional “O Mirante”, na sua edição de 3 de Setembro de 2009, encabeçava, desta forma, um artigo sobre o assunto:

"Antigos marinheiros recordam o tempo em que ali eram formados mil alunos por ano 
Escola da Armada zarpou de Vila Franca de Xira após 75 anos de serviço.
Unidade da Marinha de Guerra fechou portas. O espaço está à venda por 74 milhões e aguarda compradores. Já há quem tenha ideias. Falta o dinheiro."

“Falta o dinheiro”!... Coisa mais natural nos tempos que correm… Provavelmente essa é a razão de tudo estar ainda na mesma, apesar de notícias posteriores apontarem para uma descida do preço. Resta esperar que o dinheiro apareça e que sejam boas as ideias que existem para aquele espaço.

Nas traseiras da Unidade Militar, junto ao rio Tejo.

Pista ciclo pedonal na zona da Quinta das Torres
A pista ciclo-pedonal na zona da Quinta das Torres.
Os terrenos junto ao rio, separados do complexo de edifícios pela linha férrea, estão agora muito diferentes. Desapareceu o antigo canavial, que faz parte do imaginário de juventude irreverente de milhares de antigos marinheiros. Todos os que por lá passaram se recordam das atividades semi-clandestinas que lá eram levadas a cabo e que envolviam respeitáveis senhoras que ali exerciam a mais antiga profissão do mundo, em condições de higiene bastante precárias.

Agora, naquele espaço, passa uma pista ciclo-pedonal que vai de Vila Franca até Alhandra e que foi, na sua maior parte, assente sobre terrenos conquistados ao rio, através de aterros.

Na zona próxima ao portão das traseiras do Grupo 1 há, contudo, uma razoável área de terreno onde se desenvolviam importantes atividades ligadas à Marinha. Ainda ali se encontram alguns edifícios que faziam parte da Escola de Máquinas e Escola de Remo.

Edifício da Escola de Máquinas da Marinha

Edifício da Marinha, Escola de Máquinas
Edifício da Marinha ligado à Escola de Remo e Escola de Máquinas.
Acho que, pelo menos simbolicamente, o rio Tejo servia como justificação para a existência de uma Unidade da Marinha naquele local, situado a várias dezenas de quilómetros do mar. Seria difícil imaginar um complexo naval numa qualquer localidade onde não existisse mar, ou um rio importante, mesmo tratando-se, neste caso, de uma Unidade de formação. Naturalmente, no Tejo podiam ser ministradas aulas práticas de marinharia como o remo ou a vela.

Cais da Quinta das Torres
Cais da Marinha na Quinta das Torres.
O rio Tejo servia também para fazer a ligação fluvial com outras Unidades da Marinha. Nas traseiras do Grupo 1 há um cais, onde atracavam navios, entre os quais as vedetas que transportavam os alunos alistados, desde o Alfeite. Se fizéssemos uma viagem no tempo, recuando até ao dia 28 de Setembro de 1925, seria possível avistar naquela zona um grande número de navios, pois nessa data foi ali inaugurada a Base da Flotilha Ligeira, uma Unidade constituída pelos contratorpedeiros e torpedeiros da esquadra. Nesse dia o cruzador “Carvalho Araújo”, com o ministro da Marinha embarcado em representação do presidente da República, acompanhado dos contratorpedeiros “Douro”, “Guadiana”, “Tâmega” e “Vouga” e dos torpedeiros “Mondego”, “Sado”, “Ave”, “Lis” e “Tejo”, fundeou frente à nova base naval, seguindo-se um cerimonioso e variado programa.

NRP Rosário na Quinta das Torres
Um navio da Marinha, o Draga minas "Rosário" atracado no cais da Quinta das Torres.
foto Ships & The Sea.
A conservação do material da Flotilha Ligeira, por se encontrar em águas tranquilas e abrigadas e também a necessidade de afastar de Lisboa Unidades e Serviços, foram algumas das razões apontadas para a sua vinda para Vila Franca, não sendo de afastar a hipótese dessas razões serem reforçadas devido à situação política na capital que, em 1925, era palco de sucessivos movimentos revolucionários. Porém, com o tempo, constatou-se que a maioria dos navios da Flotilha Ligeira, necessitavam de demoradas reparações e fabricos, só possíveis no Arsenal de Marinha, a 17 milhas de distância, o que levou a que esta fosse extinta em 23 de Maio de 1928, pelo Decreto n.º 15 503, em virtude dos navios que constituíam a sua esquadrilha de torpedeiros estarem quase todos inoperacionais. Em Vila Franca de Xira ficaram, contudo, os contratorpedeiros que dela faziam parte, no seu fundeadouro provisório.

O espaço ocupado pelo Grupo nº 1 de Escolas da Armada foi outrora uma quinta e, por isso, o local ainda é conhecido como Quinta das Torres. Ali existe mesmo um apeadeiro ferroviário com esse nome, que se manteve ativo enquanto o estabelecimento militar esteve em funcionamento, tendo sido desativado em Dezembro de 2009, poucos meses depois do seu fecho. Apenas os passageiros militares poderiam justificar uma estação ferroviária naquele local, embora ela já existisse anteriormente, não tendo sido construída para servir a Unidade.

A Quinta das Torres foi adquirida em 1925 por determinação do capitão de fragata Pereira da Silva, quando este titulava a pasta de ministro da Marinha. Além da Base da Flotilha Ligeira, é simultaneamente criada, no mesmo espaço, a Delegação Marítima de Vila Franca de Xira. Apenas a partir de 1934, com a criação da Escola de Mecânicos e, em 1938, com a integração da Escola da Alunos Marinheiros, a Quinta das Torres passou a estar exclusivamente ligada a atividades de instrução, se bem que durante muitos anos ainda permanecessem em Vila Franca unidades navais.

Ao todo foram 84 anos da presença de marinheiros em Vila Franca de Xira.

Forno na Quinta das Torres

Forno na Quinta das Torres
Forno na Quinta das Torres, construído por um operário da Marinha.
A zona entre a linha e o Tejo, agora está voltada para o lazer e, de facto, é bastante aprazível com zonas sombreadas e o ar puro e fresco proveniente do rio. Ali se encontram algumas mesas para possíveis piqueniques e foi também construído um forno. Curiosamente, este forno foi implantado antes da zona estar voltada para a sociedade civil e para o lazer e estará relacionado com necessidades culinárias de pessoal da Unidade Militar, pois foi construído por um operário do Quadro do Pessoal Civil da Marinha.

Quarenta anos depois de ali ter estado como militar, aquela área está muito diferente e é agora utilizada para fins de natureza civil. No entanto, a visão doutros tempos é indelével e facilmente trazida ao presente. Eram tempos difíceis, mas todas as agruras e dificuldades eram relegadas para segundo plano pelo fulgor e sonhos da juventude e deixaram saudades. É bom ir ali e fazer uma viagem pelo tempo…

Fontes consultadas:


5 comentários:

  1. Claro que quem prestou serviço na Armada, tem recordações gratas do G1EA, EAM, etc. Uma foto do cais, em que se encontra atracado o NRP Rosário, traz-me á memória uma passagem por Vila Franca, quando em férias, ido do Norte a caminho de Lisboa. Após alguns anos da minha saída da Marinha, lá fui visitar o navio, com minha mulher e filhos e recordar os tempos em que fiz parte da guarnição, cujo comandante era o 1º ten. José Armando Rodrigues Leite, que mais tarde veio a ser comandante da "Sagres". Resta acrescentar a nostalgia que nos causa, a desativação deste unidade militar da Marinha, que formou gerações inteiras de Homens do mar. Obrigado pelo excelente texto. 1192/69 Gr Sinaleiro.

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    1. Obrigado pela visita ao blog e pelo interessante testemunho.

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  2. Já muito foi dito e publicada acerca do encerramento e abandono do GN1EA. O Estado e o poder político, foram os primeiros responsáveis pelo "Abate aos Efetivos da Armada", deste complexo de ensino das FFAA, pois também lá recebiam ensinamentos militares de outros Ramos e até civis. Prestei serviço no GN1EA, mais propriamente na Escola Alunos Marinheiros, durante mais de uma década, por várias comissões como instrutor de recrutas, durante a minha carreira militar, de 36 anos de serviços prestados à minha Pátria, à Armada e aos Fuzileiros. Parabéns pelo Excelente trabalho. 152465 FZ.

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    1. Obrigado pela visita ao blog e pelo seu testemunho que me faz pensar que talvez tenhamos estado muito próximos, pois eu estive no G.1 durante o ano de 1972, os três primeiros meses na E.A.M.
      O cabo FZE Nazaré, foi o instrutor de infantaria da minha companhia e era muito respeitado pelos recrutas. Nunca mais soube nada sobre ele, gostava de lhe poder dar um grande abraço.

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  3. Muito grato portao gratas recordações. (1530/69 mar.L)

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