NOSSA SENHORA DA PIEDADE DE TÁBUAS

Vista aérea do Santuário.
As águas límpidas do pequena ribeira gorgolejam sobre as pedras do leito enegrecidas pelo tempo, descendo a serra a saltitar de rocha em rocha, sob a luz intermitente do sol que procura a custo infiltrar os seus raios através do arvoredo e projectá-los sobre a água transparente, transformando-a em prata cintilante que pinta as sombras com infinitas cores, formando um quadro paradisíaco, que parece ter saído das mãos de um pintor de inspiração divina.

Esta é a ribeira de Tábuas que, vinda do alto da serra, tem uma grande parte do seu percurso nesta aldeia e que talvez tenha sido a grande razão da sua formação neste local, pois que com as suas águas irrigou os terrenos da zona e os tornou férteis, não sem antes com a sua força ter feito rodar as mós das azenhas que em tempos já distantes transformavam em farinha os cereais produzidos na terra que ela própria alimentava.

A Capela de N. Senhora da Piedade e ó edifício da hospedaria, à direita.
Esta ribeira atravessa o Santuário dedicado a Nossa Senhora da Piedade, vinda de uma profunda ravina das vertentes oeste da serra da Lousã. Este Santuário que se desenvolveu do cimo da povoação de Tábuas até à encosta da serra tem sido, através dos anos, palco de encontro de romeiros que ali se têm deslocado movidos pela fé a Nossa Senhora, aqui chamada da Piedade, que no século XVI, segundo uma curiosa lenda, terá feito o seu aparecimento a um lavrador de nome Domingues Pires e que terá sido, ele próprio, o fundador da Capela de Nossa Senhora da Piedade. Este edifício, o principal do Santuário, terá assim e de acordo com a história, sido construído na segunda metade do século XVI.

Vista lateral da Capela
Na madrugada do dia 15 de Novembro de 1998, um violento incêndio destruiu completamente o recheio do interior deste templo, incluindo os azulejos de grande valor que revestiam as paredes, tendo a partir de então sido iniciada a recuperação, que demorou algum tempo a efectuar mas que já se encontra concluída.

Outros edifícios do Santuário.
Este local tem sido, ao longo dos tempos, destino de muitos peregrinos; no entanto, nos últimos anos tem vindo a sofrer uma diminuição dessa afluência, talvez porque não tenha havido um investimento sério no sentido de isso ser evitado. Era costume no dia da peregrinação anual que se realiza em Setembro, virem pessoas de toda a parte do concelho e da região, logo pela manhã, munidos dos seus farnéis e de que era parte indispensável o garrafão de vinho, quando este recipiente ainda era revestido a verga, e que era mergulhado na água fresca da ribeira. À sombra das árvores e ao leve som murmurante da água cristalina os romeiros amontoavam-se e conviviam alegremente, deleitados pelo ar puro e pela mansidão do local. Com o passar dos anos esta romaria que era feita desta forma agradável e muito salutar, que proporcionava até um excelente convívio familiar, tem vindo a sofrer uma diminuição de participantes, talvez devido às alterações do quotidiano das gentes e talvez por isso o local, à excepção dos edifícios principais do santuário, encontra-se num estádio de relativo abandono, motivado por uma desistência ou desinvestimento por parte das autoridades autárquicas, que se desinteressaram pelas potencialidades turísticas deste recanto, que já foi, nestes termos, um dos maiores do concelho.

A praia fluvial.
É possível que este desinteresse pelo aproveitamento turístico do local se deva, em grande parte, ao fracasso absoluto da praia fluvial da Senhora da Piedade que foi aqui construída na década de 1990, um investimento mal planeado, mal concebido e muito mal construído, que para aqui ficou, abandonado, sem que tenha tido até hoje, qualquer intervenção no sentido de serem reparados os erros cometidos.

Foi feita uma pequena barragem na ribeira, a que quiseram chamar piscina, sem que tivesse qualquer qualidade para isso, a não ser a da água, que não sendo muita é excelente.

Este reservatório incorporava, situado num ponto um pouco mais elevado, uma divisória que foi apelidada de piscina para crianças, o que era totalmente ridículo, dadas as suas exíguas dimensões.

Mas se o caudal da ribeira é, no verão, bastante diminuto e que até pode secar em anos de pouca pluviosidade nada foi feito para que a água se conservasse na piscina pois o fundo era completamente permeável, indicando uma grande contenção de custos por parte dos responsáveis ou total falta de conhecimentos sobre este tipo de construções por parte dos executantes da obra.

No entanto, se houve contenção de gastos na construção da represa, o mesmo não se pode dizer da escadaria megalómana que dá acesso à piscina a partir do recinto do Santuário.

Escadaria de acesso à praia e parede exterior das instalações sanitárias.
Construída em pedra branca polida, completamente em desacordo com a envolvência do local, onde predomina o xisto de tom castanho escuro, ostenta uma riqueza ridícula, quando comparada com a pobreza do destino a que conduz, mesmo tendo pelo meio, umas instalações sanitárias e um quiosque que nunca funcionaram.

Mas se as autoridades responsáveis pela execução e fracasso desta obra erraram e não foram capazes de corrigir o erro, os que se lhes seguiram no pelouro, também nada fizeram para isso e seria natural que o fizessem, pois Miranda não tem assim tantos locais de interesse turístico que se possa dar ao luxo de desprezar um dos seus locais mais atractivos, não só pela sua beleza natural, mas também pela sua história e tradição e por toda a envolvência mística própria dos locais de culto.

Fazendo o percurso para o Santuário por dentro da aldeia, logo no início da subida encontra-se a Capela de S. José, a que se segue poucos metros depois um cruzeiro, que tem ao lado um templo dedicado a Santo Amaro. O caminho continua serpenteando por debaixo da copa de alguns castanheiros centenários, atingindo-se o recinto do Santuário onde, para além da Capela de N. S, da Piedade, existem alguns outros edifícios e também um fontenário e de onde se avista grande parte da vila de Miranda.

A velha fonte.
Uma pequena rua ou beco, com o chão em pedra rolada, desce em direcção à ribeira onde, na sua margem esquerda, existe uma fonte de onde brota agora em caudal reduzido, água muito fresca onde todos os romeiros matavam a sede nos domingos quentes da romaria. Esta fonte tem gravada na pedra frontal a data de 1742, que deverá ser o ano em que foi construída ou restaurada, uma data bastante posterior ao da fundação da Capela. A passagem para a margem direita da ribeira faz-se agora por uma pequena ponte de madeira e ali foi feito um pequeno parque de merendas com algumas mesas (sem bancos) e uma churrasqueira.

A Capelinha na encosta da serra.
O caminho segue em frente por uma escadaria tosca de pedra que dá acesso a uma pequena capela e depois existia um pequeno carreiro que, por entre penedos de xisto, seguia em direcção à pequena capela da encosta da serra. Esse carreiro agora foi tomado pelos matos e arvoredo e para se visitar essa Capela tem de se enveredar por uma pequena estrada florestal que, à entrada do largo do santuário à direita, vai, algumas centenas de metros depois, atravessar a ribeira, após o que tem um pequeno carreiro à esquerda que dá acesso à capela. A estrada segue na direcção de algumas aldeias serranas do concelho, mas só é transitável a tractores ou veículos todo-o-terreno.

Fonte consultada: Wikipédia

LENDA DA NOSSA SENHORA DA PIEDADE

Domingos Pires era um rico lavrador, senhor de muitas terras d’estes sitios, e tinha muitos gados.
      O sitio onde se edificou a capella da Piedade tinha antigamente o nome de Malhadinha, e a elle vinha Domingos Pires esperar o regresso dos seus gados.
    Diz a lenda que a Senhora appareceu a este virtuoso lavrador, por varias vezes, sobre um penhasco, no referido sitio da Malhadinha.
    Tratou logo Pires de edificar, no mesmo sitio, uma casa á Senhora, sob o titulo de Senhora da Piedade, e depois de construida a capella, foi a Coimbra, onde então havia bons esculptores, para encommendar a imagem, representando o trance doloroso em que tinha seu divino filho morto nos braços.
    Chegou á cidade, ao convento antigo de Santa Clara, que estava junto á ponte, e alli foi pousar a uma casa, que devia de ser hospedaria.
    Pouco tempo depois de aqui chegar, entraram dois formosissimos mancebos, que perguntando-lhe o motivo da sua ida a Coimbra, e sabido por elles, disseram a Pires que eram esculptores, e que se elle lhes quizesse encommendar a factura da imagem, não ficaria descontente; e que mesmo tinham já feitas algumas imagens, que lhe trariam para examinar, ao que Pires accedeu.
    No dia seguinte chegaram os dois esculptores com uma perfeitissima imagem da Santissima Virgem da Piedade, que mais parecia obra de anjos que de homens, e exactamente similhante á que lhe tinha apparecido na Malhadinha.
    Ficou Pires sobremaneira alegre e satisfeito, sem querer ver mais nenhuma imagem, perguntando logo quanto esta custava. Disseram os mancebos que ficasse com a imagem, e no dia seguinte viriam tratar do ajuste; mas não vieram e Pires os andou buscando dois dias pela cidade, sem d’elles poder obter a menor noticia, nem na hospedaria houve quem os visse entrar ou sahir.
    No fim de dois dias de buscas infructiferas, assentou Pires que os dois pretendidos esculptores eram anjos que lhe tinham dado a imagem, e tratou de a levar para a sua capella, para o que fretou um barco, e a levou pelo Mondego acima, até ao logar da Ceira, e ahi a collocou em um carro seu, levando-a para casa, até se concluir o seu altar.

PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno Lisboa, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo V, pp. 326-327

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2 comentários:

  1. Amigo Jose Alexandre, a muito não vejo um lugar assim. Aqui no Brasil, temos algo parecido em locais distantes dos grandes centros urbanos, nas pequenas cidades dos interiores de todo País, como acredito ser o caso dessa região.
    Realmente é uma tristeza encontrar abandono no que faz parte da história da gente.
    Mas sim, ainda há beleza em tudo... nas águas cristalinas, na mata do lugar e nos pequenos detalhes descritos em seu texto como esse trecho que achei muito singelo :

    "O caminho continua serpenteando por debaixo da copa de alguns castanheiros centenários"

    Consigo imaginar o local e adorei a pequena e antiga fonte... maravilhosa!

    Boa semana amigo!

    Cintia ( Tin)

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  2. É muito gratificante saber que alguém de tão longe, aprecia o nosso trabalho e, pela descrição, consegue imaginar um local que nos é muito querido.
    Muito obrigado, amiga!
    José Alexandre

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